SOBRE A FUNDAÇÃ


Introdução

Historicamente a agricultura brasileira foi conduzida de forma predatória desde o descobrimento do país, sem maiores atenções com a dimensão social e a ecológica, e quanto à conservação dos recursos naturais que suportam a produção.
No período colonial o latifúndio monocultural escravagista da cana devastou grandes extensões da Mata Atlântica, bioma que se mantém em apenas 6% de sua extensão original. Devastação essa que foi acompanhada pelo latifúndio monocultural escravagista do café, que degradou grandes extensões de matas e de terras outrora muito férteis da Região Sudeste, que hoje só se prestam à utilização com pastagens e ao reflorestamento (DEAN).
A partir de 1880 surgiam as primeiras iniciativas de ensino e pesquisa agrícola no país, conduzidas por cientistas oriundos da Europa, e dentre as instituições que deram grande contribuição à agricultura brasileira se inclui o Instituto Agronômico de Campinas ? IAC, com seus aportes nas áreas da genética e do manejo orgânico e vegetativo do solo (COSTA, 1987).
Nos anos 60, quando a difusão de tal acervo se expandia junto ao setor produtivo, o país reorientou a condução de sua agricultura para o pacote de revolução verde, implementando políticas agrícolas, de ensino, de ciência e tecnologia, de crédito, dentre outras, que fomentaram e subsidiaram o padrão químico-mecânico.
Trata-se de opção com elevada dependência de energia externa, em atendimento aos interesses do segmento agroindustrial (químico e mecânico) situado à montante de produção, que com o fim da 2ª. Guerra Mundial estava ocioso. Semelhante ao ocorrido na agricultura norte-americana em décadas anteriores, país onde passaram a ser treinado os quadros técnicos e científicos brasileiros a partir de então.
Nas décadas de 60 e 70 havia quase unanimidade nas ciências agrárias sobre as vantagens da opção pela revolução verde e pela agroquímica, ficando as críticas circunscritas às questões sociais e fundiárias do agro. Mas à luz da ecologia se traduzia em um grande equívoco, pois se adotou um padrão tecnológico desenvolvido para regiões temperadas e frias nas condições tropicais e sub-tropicais.
Em meados da década de 70 surgiram uma série de trabalhos científicos apontando problemas, impasses e a incompatibilidade de tal orientação com a realidade ecológica tropical, nas esferas produtiva, econômica e social (PASCHOAL,1976; LUTZENBERGER, 1976; DELGADO; CNPq, 1983; Yokomizo; Lara, 1982).
É neste cenário que surge no país o Movimento de Agricultura Alternativa  MAA, que questionava o padrão tecnológico da agroquímica por seus impactos ecológicos, o uso dos agrotóxicos, ao manejo inadequado do solo e dos recursos florestais.
Se na esfera política o MAA teve desde seu surgimento uma forte expressão política, principalmente nas entidades da classe da agronomia, seus avanços concretos na esfera da produção se tornaram possíveis com os conteúdos do livro Manejo Ecológico do Solo, de autoria de Dra. Ana Primavesi, lançado pelo Grupo de Agricultura Alternativa, GAA da Associação dos Engenheiros Agrônomos do Estado de São Paulo, AEASP em 1978.
Tal obra aportava novos enfoques, conteúdos e orientações sobre o manejo dos recursos edáficos nas regiões tropicais e sub-tropicais segundo os pressupostos da ecologia, ampliando em muito a concepção até então vigente, centrada nos aspectos químicos do solo, na mecanização intensiva e na adubação com fertilizantes de síntese altamente concentrados e solúveis.

A emergência da agroecologia

Na segunda metade da década de 70 eram organizados os primeiros eventos sobre agricultura alternativa, promovidos por entidades de classe da agronomia, iniciativas que viriam a ter desdobramentos futuros quanto à sensibilização, capacitação e engajamento dos agrônomos no movimento ambientalista, e nos movimentos sociais do campo.
Assumia-se o termo agricultura alternativa como abrangente às distintas correntes de contestação ao modelo dominante: agricultura biológica, natural, permacultura, orgânica, biodinâmica, dentre outras (MERRILL, 1983).

Na década de 80 foram realizados 4 Encontros Brasileiros de Agricultura Alternativa, EBAAs, em Curitiba, Petrópolis, Cuiabá e Porto Alegre respectivamente, os dois últimos com mais de três mil participantes
O MAA era composto pelas distintas correntes da agricultura alternativa, por profissionais das esferas pública, privada, da área produtiva e acadêmica.
Em 1987 era publicado os anais do, Simpósio Sobre Agricultura Alternativa, relalizado pelo IAPAR em 1984, o primeiro realizado por uma instituição de pesquisa oficial do país, que definia a Agricultura Alternativa como o conjunto de técnicas, processos e sistemas que busquem mobilizar harmonicamente todos os recursos disponíveis na unidade de produção, que reciclem os nutrientes e maximizem o uso de insumos orgânicos nela gerados; que reduzam o impacto ambiental e a poluição; que controlem a erosão; que usem máquinas que humanizem o trabalho e sejam compatíveis com a realidade em que vão operar; que minimizem a dependência externa de tecnologia e de matérias primas; que busquem a otimização do balanço energético da produção; e que produzam alimentos baratos e de alta qualidade biológica, em escala para suprir as necessidades internas e ge ra r excedentes exportáveis.
O documento propugnava por uma concepção metodológica na esfera da C&T onde interagissem pesquisadores, extensionistas e agricultores; pela criação de estações experimentais para o estudo da agricultura alternativa; pela maior difusão dos conhecimentos já acumulados junto aos quadros técnicos do ensino, pesquisa e extensão rural; o estudo dos sistemas tradicionais de produção; um maior intercâmbio técnico-científico com os movimentos afins de âmbito nacional e internacional (IAPAR, 1987).
Com a evolução e o aprofundamento das reflexões sobre o padrão e o modelo agrícola brasileiro a critica sócio-­ambiental é ampliada e crescentemente qualificada. Passa então a ganhar expressão no MAA os conteúdos e o ideário da Agroecologia, principalmente com o lançamento pela AS-PTA em 1989, do livro, Agroecologia: As Bases Científicas da Agricultura Alternativa, de autoria de Miguel Altieri.
Na década de 90 os conteúdos da agroecologia passaram a ser internalizados nos debates e incorporados ao ideário de muitas ONGs que atuavam junto aos movimentos sociais do campo, dada a pertinência e aderência de tal proposição com a realidade sócio-cultural e ambiental dos agricultores familiares brasileiros.
À época foi criado o Consórcio Latino Americano de Agroecologia y Desarrollo CLADES, composto por 10 ONGs Latino Americanas, que passou a promover pesquisas e capacitação de recursos humanos no campo da agroecologia.
O termo agroecologia surgiu nos anos 30, formulado por ecólogos, para designar a ecologia aplicada à agricultura. Os estudos ecológicos, todavia, estavam à época mais centrados nos sistemas naturais, ficando a cargo dos agrônomos as pesquisas aplicadas na esfera da agricultura. Nos anos 50, com o amadurecimento do conceito de ecossistema, a ecologia agrícola ganha maior expressão e parcela dos agrônomos passam a internalizar em seus trabalhos os conteúdos da agroecologia. Nos anos 60 e 70 ganham ímpeto as pesquisas sobre populações e comunidades, quando as bases da ecologia crescem rapidamente. A partir dos estudos dos sistemas naturais de cultivo estabelece-se a base conceitual e a metodologia de estudo de agroecossistemas, que vêm a fundamentar na agroecologia o desenvolvimento do conceito de sustentabilidade na agricultura. (Gliesmann, 2000)
Na atualidade o termo agroecologia é utilizado no país em duas dimensões. Enquanto uma área da ciência, a agroecologia é definida como disciplina científica que enfoca o estudo da agricultura sob uma perspectiva ecológica e com um marco teórico cuja finalidade é analisar os processos agrícolas de forma abrangente. O enfoque agroecológico considera os ecossistemas agrícolas como as unidades fundamentais de estudo; e nestes sistemas os ciclos minerais, as transformações de energia, os processos biológicos e as relações sócio econômicas são investigadas e analisadas como um todo (Altieri, 1989).
O termo agroecologia é também empregado para designar o movimento formado principalmente por Organizações Não Governamentais ONGs e parte do segmento acadêmico, que trabalham segundo os pressupostos da agroecologia junto a movimentos sociais, na esfera produtiva e sócio política.

A problemática contemporânea da produção agrícola tem evoluído de uma dimensão meramente técnica para dimensões mais sociais, econômicas, políticas, culturais e ambientais.
Em outras palavras, a preocupação central hoje é a sustentabilidade da agricultura, conceito que é útil por que incorpora um conjunto de preocupações com a agricultura, concebida como um sistema econômico, social e ecológico. Isto remete ao entendimento da relação entre agricultura e ambiente global, já que o desenvolvimento rural depende de interação se subsistemas biofísicos, técnicos e sócio-econômicos (Altieri, 1989).

Áreas de atuação / objetivos
Dentre as distintas iniciativas e ações que se preconiza sejam assumidas pela Fundação Ana Primavesi relacionam-se:

- Manter, socializar, disponibilizar e/ou divulgar o acervo documental da Dra. Ana Primavesi, aos distintos segmentos e atores demandadores de tais conteúdos e conhecimentos

- Promover ações permanentes de capacitação de recursos humanos em agroecologia, abrangendo agricultores e público técnico, através da metodologia do aprender fazendo

- Produzir alimentos e fibras nas áreas agrícolas da Fundação;

- Selecionar e difundir germoplasma vegetal adaptado às condições edafo climáticas predominantes nas regiões sul do Estado de São Paulo e norte do Paraná, abrangente às sementes e mudas de cereais, oleaginosas, fruteiras, olerícolas e adubos verdes.

- Pesquisar e validar tecnologias agroecológicas relativas aos manejo dos recursos naturais, cultivos e criações adaptadas e adequadas à região da Fundação

Aspectos operacionais

A iniciativa ora preconizada demandará um quadro de recursos humanos composto minimamente por

- Coordenador técnico

- Coordenador administrativo

- Secretaria

- 5 funcionários funcionários de campo

- Pessoal em capacitação: um mínimo de 10 pessoas permanentemente

Bibliografia
ALTIERI, Miguel. Agroecologia: as bases científicas da agricultura alternativa. Trad. de Patrícia Vaz. Rio de Janeiro: PTA/FASE, 1989. 240p.

CNPq. Memória da Mesa Redonda "Tecnologias Poupadoras de Insumos na Agricultura". Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico ? CNPq. São Paulo: Agência CNPq, 1981 (mimeo); 142 p.

_________. Ação Programada em Ciência e Tecnologia 3 - Produção Vegetal. Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. Brasília: CNPq, 1982. 77 p.

GLIESSMAN, Stephen R. Agroecologia. Processos Ecológicos em Agricultura Sustentável. Trad. Maria José Guazzelli. Porto Alegre: UFRGS, 2000. 653p.

IAPAR. Anais do Simpósio Sobre Agricultura Alternativa. Londrina: IAPAR, 1984.

JESUS, Eli Lino. Histórico e filosofia da agricultura alternativa. Proposta n.27; p.34-40. Rio de Janeiro: FASE, 1985.

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LARA, W. H.; BARRETO, H. H. C.; INOMATA, O. N. K. Resíduos de pesticidas organoclorados em leite humano. São Paulo: Brasil, 1979-1981. Revista do Instituto Adolfo Lutz, São Paulo, v.42, n.1/2, p.45-52, 1982.

LUTZEMBERGER,J. Manifesto Ecológico Brasileiro. Porto Alegre: Lançamento, 1976. 22p.

MEADOWS, D. H. Limites do crescimento: um relatório para o projeto do Clube de Roma sobre o dilema da humanidade. São Paulo: Perspectiva, 1972.

MERRILL, M. C. Eco-agriculture: a review of its history and philosophy. Biological Agriculture and Horticulture, London. v.1, p.181-210, 1983.

MOLLISON, B.; HOLMGREN, D. Permaculture One: A Perennial Agriculture for Human Settlements. 1978.

PASCHOAL, A. D. Pragas, praguicidas & crise ambiental: problemas e soluções. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1979. 106p.

PIMENTEL, D.; et al. Produção de alimentos e Crise energética. Trad. Tania M. C. Bianchini e Rev. Oswaldo C. Rockenback e Paulo S. Tagliari. Florianópolis: EMPASC, 1982. 24p. (EMPASC - Documentos, 14).

PINHEIRO, Sebastião. Tucuruí: o agente laranja em uma república de bananas. Porto Alegre: Sulina, 1989. 145p.

PRIMAVESI, A. Manejo ecológico do solo: a agricultura em regiões tropicais. São Paulo: Nobel. São Paulo, 1980. 549p.

SCHUMAKER, E. F. O negócio é ser pequeno. Um estudo de economia que leva em conta as pessoas. Tradução: Octávio Alves Velho. 3.ed. Rio de Janeiro. Zahar, 1981. 262p.

SHIKI, S. Mecanização agrícola: Homem e terra sob impacto. RBT, Brasília, v.15- p.5-11- CNPQ, 1984.

O CLADES era formado pelo PTA/FASE (Brasil), CPPP e CECTEC (Paraguai), IMCA (Bolívia), INDES (Argentina), CAAP (Equador), CET (Chile), CIED e IDEAS (Peru) e SEMTA (Bolívia).